O Piano
Eliane D. Fernandes
A noite se apresentava sombria e mais
escura do que de costume, a imagem de Nossa Senhora da Guia, em uma mesinha na
sala, mostrava-se mais triste, um dos seus olhos tinha até perdido a sua cor
iluminada. O que estaria para acontecer? Ou é imaginação de uma mente fértil,
cheia de medos?
Andarilho era o meu irmão Arthur, corria
todos os dias à procura de um físico mais saudável e um porte de atleta. Sempre
que eu o via, ficava a dizer: por que tanto exagero se a vida corre tão rápida
mesmo? Para que correr, já que ela corre por nós? Às vezes eu ficava com pena
de quem corria tanto ou fazia exercícios sem parar. Exercícios faço, varrendo a
casa, lavando o chão, enfim, fazendo os serviços domésticos. Seu Elias, dono de
uma academia, dizia assim: - não serve. Ora, ora!
Acho, porém, que isso é conversa para
convencer os que não gostam de trabalhar se esforçando, gostam é de sair de
casa, passear e não ficar preso a serviços domésticos.
Sinceramente, eu, Maria de Chiquinho,
adoro! Tenho saúde, varro, pego em baldes cheios d’água e depois vou tocar
piano. Meu piano foi presente de meu pai, Chiquinho, comprado com muito esforço
para satisfazer suas filhas gêmeas, eu e a Manu.
No silêncio e calma dos meus momentos,
converso com meu piano e ele, sonoramente, me responde em cada nota que toco, e
me diz em um só tom: - eu canto por ti, eu choro por ti e vibro a tua alma, em
um dó, ré, mi...
Escondida em meu refúgio, tento sempre
entender essa conversa sonora e interessante. Do meu piano vejo a santinha, ela
também, com a sua força sagrada, parece, em alguns momentos, querer chorar,
derramar lágrimas santas, ou me acalentar. Estava eu agarrada a pensamentos que
me pareciam estranhos.
Na minha morada, florida pelas lindas
jardineiras diversas, orquídeas floresciam. As cores penetravam no ambiente,
dando um ar de perfeita harmonia.
O Arthur bem-humorado, sempre que podia,
escancarava seus dentes em sorrisos de menino peralta, porém de muita
criatividade. E foi assim, que resolveu oferecer uma grande festa a Nossa
Senhora. Pediu dinheiro a mamãe Madá, foi na lojinha da Igreja e comprou
diversas medalhinhas, para atender a religiosidade das pessoas que por lá em
casa aparecessem. “Hum, que chance!” - dizia ele - de ficar bem pertinho de
Deus.
Ele nos seus poucos anos de vida, às vezes
chegava a confundir certas coisas filosóficas ou teológicas, mas tudo em
sentido positivo.
A festa estava para se cumprir. Arthur,
Manu, eu e meu pai Chiquinho, com a rainha da família, minha mãe Madá,
estávamos animados e prontos para apoiar a comemoração a Nossa Senhora. Nossa
casa, com ares de paz e alegria, parecia contemplar a Deus. Rezamos por todos, pedindo misericórdia, e
oramos pelos doentes da família e amigos. Um sininho pequenino, em um canto da
casa, badalava cada vez que um passava e dava uma balançada nele, trazendo
graças a Nossa Senhora da Guia. As velas acesas bailavam através do vento e da
brisa que invadiam o ambiente e todo o nosso ser.
De repente, Manu saiu da sala e foi
atender seu celular que não parava de tocar. Nesse instante, mamãe, um pouco
assustada, vislumbrou a Santinha que apresentava seu olho esquerdo, antes turvo
e sem luz, agora iluminado, além de um doce e meigo sorriso expresso em sua
face. Assim como saiu rápido da sala, Manu retornou, chorando e sorrindo ao
mesmo tempo, e foi explicando que o tio Miguel tinha ligado para anunciar a
melhora considerável de sua irmã, Tudinha, que passava por um processo
irreversível de uma doença que a levaria à morte. Os médicos estavam sem
entender a sua melhora. Perplexos ficamos todos.
O milagre aconteceu! Disse mamãe,
emocionada. Quantas orações e pedidos fizemos pelo restabelecimento da saúde de
Tudinha. Todas as orações tinham como foco principal o pedido a Nossa Senhora
para a sua melhora. Nossa fé parecia se
fortalecer mais e mais. Os agradecimentos eram feitos de joelhos, de pé,
sentados, com humildade e força nas orações.
De longe, Tudinha rezava, grata ao Deus
Supremo pela sua cura, e não cansava de enaltecer a visita que teve, na noite
anterior a sua melhora, de um anjo de túnica branca, acompanhado de uma linda
mulher, que a cercava e a cobria com os seus mantos branco e azul celeste. A Virgem Maria estava ali no seu caminho,
diante dos seus olhos, antes com lágrimas, agora transformadas em brilhantes
safiras azuis e sorriso. Era o sorriso da Virgem Maria.
Neste mesmo momento, ecoava um som
harmônico de um piano, que tocava em suaves acordes. Mãos talentosas corriam
pelo teclado, trazendo beleza e encanto ao ambiente, sublimando toda a casa, as
mentes e os corações de todos que ali estavam. Um caminho sonoro se formava e
nossos passos acompanhavam a chuva de bênçãos que caíam dos céus sobre nós,
embriagando-nos com um lindo Hino de adoração e louvor.
Era o Hino à Virgem Maria, orquestrado,
não só pelo piano, mas por um lindo grupo de anjos com harpas e cantos
abençoando todo o nosso lar. Apreciávamos as notas musicais que voavam pelo ar,
sopradas pelos ventos, soando em ritmos de calmaria, trazendo a sensação de
relaxamento e alegria as nossas vidas. O Piano, agora colorido de paixão em
Cristo, tocava em movimentos festivos, e os presentes sorriam ao mesmo tempo
que choravam de emoção.
Rios de lágrimas escorriam pelo meu rosto
e os cabelos, de tão molhados, mudaram de cor, e minha boca seca não conseguia
gritar de alegria. Assustada fiquei, tremi, balbuciei e falei em milagre, quase
sucumbi, quase morri, o que não aconteceu porque ACORDEI! Acordei rezando para
Tudinha: Ave Maria, cheia de Graça...
Fico agora a aguardar o milagre, convicta
de que anjos de Deus descerão dos céus abençoando as nossas almas e confortando
os nossos corações.
Salve Deus Senhor! Amém
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