Estratégias de
Identificação do Aluno com Altas Habilidades/Superdotação
Tânia
Gonzaga Guimarães/Vanessa Terezinha Alves Tentes de Ourofino
A identificação e a avaliação do aluno com altas
habilidades/superdotação têm se constituído um desafio para educadores e
psicólogos. A simples rotulação de indivíduo com altas habilidades/superdotação
não tem valor ou importância se não for contextualizada dentro de um
planejamento pedagógico ou de uma orientação educacional. Além disso, o
processo de identificação deste aluno deve ter como base referenciais teóricos
consistentes e resultados de pesquisas sobre o tema. Portanto, o propósito
deste capítulo é discutir estratégias de identificação de alunos com altas habilidades/superdotação
que ofereçam uma sistemática adequada e eficaz para atender este grupo e que
seja consistente com a literatura atual. Apesar de ser uma tarefa complexa, é
nosso objetivo discutir maneiras de construção do processo de identificação,
que gerem
informações sobre o aluno com alto potencial e orientem a prática docente em
termos do planejamento de aula, seleção de estratégias de ensino e métodos de
avaliação do desempenho escolar.
PROCESSO DE
IDENTIFICAÇÃO DE ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: ASPECTOS A SEREM
CONSIDERADOS
A literatura
aponta a necessidade de identificação do indivíduo com altas
habilidades/superdotação o quanto antes de forma a se evitar problemas de
desajustamento, desinteresse em sala de aula e baixo rendimento escolar
(McCoach & Siegle, 2003). A sistemática de identificação da criança
superdotada deve considerar a definição de superdotação que se mostrar mais
adequada ao contexto em questão. Essa identificação só terá sentido se for possível
oferecer também um conjunto de práticas educacionais que venham atender às
necessidades e favorecer o desenvolvimento do aluno. Ademais, estudiosos da
área sugerem que a combinação de instrumentos pode assegurar um maior número de
crianças identificadas como superdotadas ainda em idade pré-escolar. O processo
de identificação deve estar diluído em diversas fases e a identificação precoce
é necessária para assegurar o desenvolvimento saudável de crianças superdotadas.
De acordo com a literatura, os instrumentos de identificação mais utilizados
nos programas de atendimento aos alunos com altas habilidades/superdotação têm
sido:
(a) testes psicométricos;
(b) escalas de características;
(c) questionários;
(d) observação do comportamento;
(e) entrevistas com a família e professores,
entre outros.
Com relação
aos testes padronizados, o escore em um teste não pode assegurar que uma
criança é ou não superdotada e tão pouco pode predizer as habilidades futuras
que o indivíduo irá desenvolver. Escalas e testes não fazem diagnósticos,
entretanto são ferramentas importantes e servem de rastreamento, pois fornecem
dados objetivos úteis para avaliação, intervenção e pesquisa (Benczik, 2000).
Colangelo e
Davis (1997) afirmam que muitos alunos são prejudicados, rotulados ou
considerados superdotados com baixo rendimento acadêmico, devido à falhas no
processo de identificação de suas potencialidades, e sugerem que no processo de
avaliação sejam incluídas atividades que verifiquem habilidades diversas como a
aritmética, espaço-temporal, de seqüência lógica e de solução de problemas relacionados
a situações da vida cotidiana.
Renzulli
(1986) acrescenta que a avaliação deve ir além das habilidades refletidas nos
testes de inteligência, de aptidão e de desempenho. O autor propõe que a ênfase
seja dada nas observações colhidas por “juízes” que possam acompanhar o
desempenho e as habilidades quando a criança estiver engajada em alguma
atividade de seu interesse.
Esta mesma
observação vale para a avaliação da criatividade, que pode ser realizada por
meio da análise de seus produtos criativos, além dos testes de criatividade
(Alencar & Fleith, 2001).
Aspesi (2003)
relata o processo de identificação dos alunos para o Programa de Atendimento aos
Portadores de Altas Habilidades da Gerência de Apoio à Aprendizagem do
Superdotado e do Hiperativo da Secretaria de Estado de Educação do Distrito
Federal (SEE/GDF) que adota o “Modelo dos Três Anéis”() proposto por Renzulli. Segundo a autora, o aluno é observado por um período de até quatro meses.
Nesta etapa, o aluno desenvolve atividades sugeridas a partir da aplicação do
inventário de interesses e de estilos de aprendizagem (veja capítulo 3 do volume 2) nas quais a qualidade e a motivação na
realização de projetos de pesquisa ou
produções são avaliadas, assim como sua capacidade intelectual e sua
criatividade. Após a fase de observação, o aluno que apresentar as
características de superdotação permanece no programa por tempo indeterminado
para desenvolver projetos em sua área de interesse e habilidade sendo acompanhado
por professores das salas de recursos.
Os
professores das salas de recursos são professores da SEE/GDF, com formação em
áreas específicas, selecionados e capacitados com o objetivo de atender essa
clientela. As salas de recursos contam
também com o trabalho de um psicólogo e de um professor chamado professor
itinerante cuja função é promover o recrutamento dos alunos em escolas públicas
e particulares, sensibilizar pais, professores e alunos para a temática das
altas habilidades/superdotação e buscar audiência para as produções realizadas
nas salas de recursos. Durante a permanência no programa o aluno desenvolve seu
portfolio registrando todas as informações relevantes sobre suas habilidades, interesses
e áreas fortes (fonte importante de informação sobre o aluno) e tem a
oportunidade de desenvolver produções criativas e de participar de eventuais
exposições, concursos e projetos em sua área de interesse.
A
identificação do aluno com altas habilidades/ superdotação requer a realização
de uma seqüência de procedimentos, tornando o processo capaz de detectar os
alunos com potencial superior. Esses procedimentos devem incluir etapas bem
definidas e instrumentos apropriados, formando uma combinação entre avaliação
formal e observação estruturada no próprio contexto da escola, permitindo
avaliar conhecimentos, estilos de aprendizagem e de trabalho do aluno. É
importante que a identificação seja um processo contínuo. Isto significa
acompanhar o aluno mesmo após seu ingresso em um programa para alunos com altas
habilidades/superdotação.
Na verdade, a
identificação deve ser enriquecida por outras fontes de informação, de forma a privilegiar
uma visão sistêmica e global do indivíduo e não somente sua inteligência
superior medida por meio de um teste de QI. Informações colhidas junto aos
professores, aos pais, indicação por colegas e auto-indicação também são
importantes.
A
identificação dos indivíduos intelectualmente superdotados é tarefa
desafiadora, tendo em vista questões polêmicas que envolvem o fenômeno da superdotação.
Entre elas podemos destacar a controvérsia sobre a definição de inteligência e superdotação,
as limitações de qualquer avaliação subjetiva ou objetiva, as limitações dos
atuais testes psicométricos etc.
A RELAÇÃO ENTRE
INTELIGÊNCIA, QI E SUPERDOTAÇÃO - Não se pode negar o avanço considerável nas concepções acerca
dos indivíduos superdotados. Algumas
mudanças provocaram rupturas no paradigma tradicional, principalmente no que
tange à valorização do contexto em detrimento da concepção exclusivamente
hereditária, à visão dinâmica do desenvolvimento de habilidades e
comportamentos do superdotado ao invés de uma visão estanque e linear deste
processo.
Historicamente,
a concepção de superdotação foi acoplada a inteligência como um construto mensurável
e, assim, identificada a partir do escore oriundo de testes de inteligência.
Conseqüentemente, o QI foi considerado a medida ideal da inteligência humana,
abrangendo a totalidade do potencial intelectual de um indivíduo e, durante décadas, dominou o processo de identificação.
Entretanto, com os avanços nos estudos sobre a inteligência e a adoção de uma
visão multidimensional deste construto, os testes de QI passaram a ser
questionados e considerados mais como uma medida de um conjunto específico de
habilidades mentais num determinado contexto do que um reflexo de uma
capacidade mental global. Além disso, se pensarmos em motivação, autoconceito
e
criatividade como dimensões relevantes na superdotação, posição defendida por muitas
abordagens sobre o fenômeno, o uso exclusivo de testes de QI perde a sua função
e relevância, tendo em vista a necessidade de se incluir e instrumentos que
investiguem estas outras dimensões (Reis & Renzulli, 2004).
PROCESSO DE
IDENTIFICAÇÃO DO ALUNO COM ALTAS HABILIDADES / SUPERDOTAÇÃO
O processo de
identificação do aluno com altas habilidades/superdotação deve envolver uma
avaliação abrangente e multidimensional, que englobe variados instrumentos e
diversas fontes de informações (como indivíduo, professores, colegas de turma e
familiares), levando-se em conta a multiplicidade de fatores ambientais e as
riquíssimas interações entre eles que devem ser consideradas como parte ativa
desse processo (Bronfenbrenner, 1999; Chagas, Aspesi & Fleith, 2005).
Com a
modificação do conceito de superdotação, também se alterou a metodologia
utilizada para a identificação do aluno com altas habilidades/superdotação. Isso
porque, atualmente, as características como criatividade, aptidão artística e
musical, liderança, entre outras, são também consideradas, porém não são
medidas por testes de inteligência, tornando essa identificação bem mais
complexa. Portanto, cabe a utilização de instrumentos e atividades
alternativas, numa perspectiva mais qualitativa para acessar
esta
variedade de características. Tais instrumentos devem considerar o contexto
sócio-cultural do indivíduo, assim como as características observadas no processo
de identificação e o atendimento especializado disponível. É importante
destacar que cada profissional/equipe interdisciplinar organizará o próprio conjunto
de materiais que orientará suas ações.
Nesta
perspectiva, é importante destacar o julgamento, avaliação e observação do
professor. Ele desempenha um papel significativo no processo de identificação
do aluno com altas habilidades/superdotação. Assim, é possível solicitar ao
professor que indique, por exemplo, o aluno mais criativo da turma, o aluno com
maior capacidade de liderança, o aluno com maior conhecimento e interesse na
área de ciências, o aluno com maior vocabulário, o aluno com pensamento crítico
mais desenvolvido etc (Gowan, 1971). Delou (1987) também elaborou uma lista de indicadores
de superdotação que serve de parâmetros para observação de alunos em sala de
aula. Alguns exemplos destes indicadores são:
O aluno demonstra
prazer em realizar ou planejar quebra-cabeças e problemas em forma de jogos;
O aluno
mantém e defende suas próprias idéias;
O aluno sente
prazer em superar os obstáculos ou as tarefas consideradas difíceis;
O aluno
dirige mais sua atenção para fazer coisas novas do que para o que já conhece e/
ou faz;
O aluno usa
métodos novos em suas atividades, combina idéias e cria produtos diferentes;
O aluno põe
em prática os conhecimentos adquiridos.
A Escala para
Avaliação das Características Comportamentais de Alunos com Habilidades Superiores
- Revisada, desenvolvida por Renzulli, Smith, White, Callahan, Hartman e
Westberg (2000), a ser respondida pelos professores, é também uma opção no
processo de identificação. A escala avalia a freqüência com que certos
comportamentos relacionados, em especial, à aprendizagem, criatividade e
motivação são registrados no dia-a-dia do aluno. Exemplos de itens desta escala
são:
APRENDIZAGEM
O aluno
demonstra vocabulário avançado para a idade;
O aluno
possui uma grande bagagem de informações sobre um tópico específico;
O aluno tem
facilidade para lembrar informações;
O aluno tem
perspicácia em perceber relações de causa e efeito.
CRIATIVIDADE
O aluno
demonstra senso de humor;
O aluno
demonstra espírito de aventura ou disposição para correr riscos;
O aluno demonstra atitude não
conformista, não temendo ser diferente;
O aluno demonstra imaginação.
MOTIVAÇÃO
O aluno demonstra obstinação em procurar
informações sobre tópicos de seu interesse;
O aluno demonstra persistência, indo até
o fim quando interessado em um tópico ou
problema;
O aluno
demonstra envolvimento intenso quando trabalha certos tópicos ou problemas;
O aluno
demonstra comportamento que requer pouca orientação dos professores.
Guenter
(2000) sugere também indicadores de observação em sala de aula. O professor é
convidado a indicar dois alunos de sua turma que apresentam características
como os melhores da turma nas áreas de linguagem, comunicação e expressão; os
mais curiosos,
interessados
e perguntadores; os de melhor memória; os mais críticos com os outros e consigo próprios; mais originais e criativos;
mais solitários e ignorados; os mais seguros e confiantes de si; os mais
entediados, desinteressados, mas não necessariamente mais atrasados, entre outras. O professor pode
ainda fornecer informações acerca dos interesses,
hobbies, atividades extracurriculares, hábitos de leitura e características do aluno
em avaliação, além de participação em projetos especiais, quando for o caso.
A indicação
por parte de colegas de turma é uma alternativa a ser utilizada no processo de
identificação do aluno com altas habilidades/superdotação (Feldhusen, 1998;
Renzulli & Reis, 1997), porém pouco explorada. É possível perguntar aos
alunos de uma classe:
Quais são os alunos de sua turma que
sempre têm muitas idéias boas?
Quais são os alunos de sua turma que
desenham muito bem?
Quais são os colegas que são muito bons
em matemática?
Quais são os colegas de turma que sempre
têm idéias diferentes?
Em sua sala de aula, quem você pediria ajuda
em seu dever de casa de ciências?
Em sua sala, quem você considera o
melhor esportista? Músico? Escritor?
Em sua sala de aula, quem tem mais senso
de humor?
Em sua sala, quem é o melhor aluno?
A
auto-indicação para participar em um programa de atendimento ao superdotado é
uma estratégia também pouco utilizada, porém o seu uso tem sido especialmente
encorajado no processo de identificação de alunos com altas
habilidades/superdotação do ensino médio, provenientes de área rural ou de
nível socioeconômico desfavorecido (Davis & Rimm, 1994; Freeman &
Guenther, 2000). Em um formulário de auto-indicação, o aluno aponta as áreas em
que ele julga que apresenta alta habilidade ou talento, descreve projetos e/ou
atividades desenvolvidas por ele que ilustram seu desempenho superior na área,
lista livros que ele leu relacionados a sua área de interesse, justifica seu
interesse em participar de um programa especializado, descreve hábitos de
leitura, áreas de interesse etc. (Feldhusen, 1998; Renzulli & Reis, 1997). A
família constitui também uma excelente fonte de informações que não pode ser
negligenciada no processo de identificação do aluno com altas
habilidades/superdotação. Os pais podem ser solicitados a indicar atividades,
na escola e fora do contexto escolar, que seu filho gosta de realizar,
descrever características, áreas de interesse e de destaque do filho, relatar o
processo de desenvolvimento de seu filho ao longo dos anos (por exemplo, quando
aprendeu a andar, a falar, a ler, a escrever etc.), comentar sobre
relacionamento do filho com membros da família e colegas, descrever o desempenho
escolar do filho e seu envolvimento com as tarefas escolares. Renzulli e Reis
(1997) apresentam uma lista de características do aluno a ser respondida pelos
pais durante o processo de identificação. Trata-se de uma escala em que os pais
avaliam a freqüência do comportamento ou situação listada, além de apresentar exemplos
que se aplicam a seu filho. Exemplos de itens são:
Meu filho
gasta mais tempo e energia que seus colegas da mesma idade em um tópico de seu
interesse;
Meu filho
estabelece metas pessoais e espera obter resultados do seu trabalho;
Meu filho continua a trabalhar em um projeto mesmo quando este
apresenta problemas ou os resultados demoram a surgir;
Meu filho
sugere maneiras imaginativas de se realizar atividades, mesmo que as sugestões não
sejam, algumas vezes, práticas;
Meu filho usa
materiais de forma original;
Meu filho
gosta de brincar com idéias, imaginando situações que provavelmente não ocorrerão.
Meu filho
acha engraçadas situações que normalmente não são consideradas engraçadas
pelos colegas
de sua idade;
Meu filho
prefere trabalhar ou brincar sozinho ao invés de fazer alguma coisa apenas para
fazer parte de um grupo.
No caso da
equipe de avaliação contar com um psicólogo, testes e escalas de inteligência, criatividade
e autoconceito poderão ser aplicadas, já que é prerrogativa deste profissional
o uso de instrumentos psicológicos. O Teste Torrance do Pensamento Criativo,
por exemplo, é o único teste de criatividade traduzido e validado para a realidade
brasileira (Wechsler, 2002). O objetivo do teste, utilizado em diversos países,
é avaliar dimensões relacionadas ao processo criativo por meio da produção
criativa expressa de forma verbal e figurativa. Entre as características
criativas avaliadas, destacam-se:
(a) fluência, capacidade de gerar um grande
número de idéias e soluções para um problema;
(b) flexibilidade, habilidade de olhar o
problema sob diferentes ângulos e mudar os tipos de propostas para sua solução;
(c) originalidade, que envolve a produção de
idéias inusuais e diferentes;
(d) elaboração, capacidade de produzir
idéias raras ou incomuns, quebrando padrões habituais de respostas.
O psicólogo
poderá ainda realizar entrevistas com pais e professores com vistas a obter
informações sobre o desenvolvimento do aluno, características, interesses e
desempenho escolar.
Outras fontes
que podem fornecer ricas informações acerca do aluno são jogos, exercícios e dinâmicas.
Jogos de quebra-cabeça e memória, por exemplo, auxiliam na avaliação de
características associadas a superdotação. O desempenho do aluno em exercícios
de criatividade e autoconceito também oferece subsídios importantes no processo
de identificação de altas habilidades. Alguns exemplos destes exercícios são
apresentados, a seguir, com base no livro de Virgolim, Fleith e Neves-Pereira (2005).
No exercício “Auto-Inventário”, por exemplo, o aluno é convidado a listar suas
habilidades e talentos, suas áreas de conhecimento e experiência, seus traços
de personalidade e qualidades positivas, suas realizações mais importantes e as
pessoas mais importantes de sua vida. Na atividade “Explorando minhas
Habilidades”, é pedido que o aluno relacione tudo o que sabe fazer muito bem, o
que ele sabe que faria bem se tentasse e o que ele gostaria de aprender a fazer
muito bem. Na atividade “Galeria de Personagens”, um quadro com o nome de
diversos personagens é apresentado (Xuxa, Ronaldinho, Cinderela, o Patinho
Feio, Pinóquio etc). É pedido ao aluno que ele escolha alguns personagens e
escreva o que ele poderia ter em comum com cada um deles. No exercício
“Carteira de
Identidade”, o aluno é solicitado a dar informações sobre seu nome, como gosta
de ser chamado, o que ele mais gosta nele, o que ele gosta de fazer nas horas
vagas, a palavra e o número que melhor representam a pessoa que ele é etc.
Outra atividade interessante é “Sentenças Incompletas” em que o aluno completa
frases tais como:
A coisa que
eu mais gosto em mim é ...
Eu gostaria
que meus amigos ...
Eu gostaria
de ser ...
O mundo seria
muito melhor se as pessoas ...
A coisa que
mais me preocupa atualmente é ...
Acho muito
engraçado ...
Entre outros
exercícios que estimulam a criatividade e imaginação, salientam-se: “Invertendo
as Coisas” em que o aluno tenta descobrir o que há de bom nas situações ruins e
o que há de mal nos aspectos ou momentos bons (por exemplo, você acaba de
ganhar aquele brinquedo que tanto queria. O que tem de ruim nisso?), “A Branca
de Neve e o Sílvio Santos”, em que o aluno tem que imaginar uma conversa
telefônica entre a Branca de Neve e o Sílvio Santos, e “O que Aconteceria
se...”, em que o aluno é convidado a pensar em conseqüências para situações
como “o que aconteceria se as pessoas, em vez de falar, só pudessem cantar?”.
Concluindo, a grande maioria dos pesquisadores parece concordar que uma única
fonte de informação jamais será suficiente. Segundo Alencar e Fleith (2001), o
desempenho superior pode estar mais relacionado à vida familiar, aos traços de
personalidade e ao engajamento em atividades de seu interesse, do que
simplesmente às habilidades cognitivas superiores. Por isso, segundo Aspesi
(2003), o processo de identificação dos alunos com altas
habilidades/superdotação deve ter uma concepção flexível, levando-se em conta
os aspectos qualitativos e dinâmicos do aluno, a participação da família e o
envolvimento de uma equipe interdisciplinar.
FORMAÇÃO DE UMA
EQUIPE INTERDISCIPLINAR - Entre
tantas propostas inclusivas e continentes ao atendimento especializado, é importante
ressaltar a necessidade de uma articulação interdisciplinar que busque
acompanhar o desenvolvimento do aluno com necessidades educacionais especiais,
repensar estratégias de ensino que se aproximem mais de uma rede de serviço
essenciais para a inclusão educacional e para a qualidade de vida dessas
pessoas (Brasil, 2005). No paradigma da interdisciplinaridade, a prevalência
não está no discurso de uma ou outra especialidade, mas na articulação entre si
e na concepção do indivíduo discutida por todas as áreas. Neste sentido, a ação
interdisciplinar constrói-se por meio de uma equipe com o papel fundamental de
unir os saberes nesse campo de intervenção. Além disso, ela tem a função de
acolher o aluno e sua família com seus questionamentos e suas expectativas, bem
como a escola carente de informações e orientações.
A equipe será
formada, de preferência, com os profissionais das áreas de Educação, de
Psicologia e outras envolvidas de forma direta ou indireta com a Educação
Especial, com atitude de compartilhar seus conhecimentos, idéias e concepções
teóricas que fundamentam suas práticas.
Sob o enfoque
da inclusão, a equipe interdisciplinar deve elaborar alternativas metodológicas
e condições favoráveis para a operacionalização da educação dos alunos, neste
caso com altas habilidades/superdotação, buscando uma postura mais
investigativa, reflexiva e de aperfeiçoamento contínuo (Ourofino, 2005). A
partir de um conjunto de registros, é possível alcançar algumas dimensões
subjetivas em relação ao desempenho acadêmico, intelectual, social e emocional
do aluno. Faz-se necessário, portanto, que a equipe construa um espaço contínuo
de interlocução entre os profissionais na busca de soluções e de novas formas
de trabalhar suas práticas educacionais, se fortalecendo para lidar com os
impasses do cotidiano do ambiente escolar.
É
imprescindível que se tenha uma política de formação continuada para os
profissionais da equipe, na qual estes tenham um espaço para discutir suas
concepções teórico-práticas, evitando viés e noções errôneas sobre este tema,
bem como refletir sobre o seu desejo e a sua atuação na equipe, sabendo que o
aluno é o foco principal do processo.
A IDENTIFICAÇÃO
DA DUPLA EXCEPCIONALIDADE
A dupla
excepcionalidade entre superdotados e o paradoxo que se forma a partir da
combinação de alta inteligência, múltiplas potencialidades e possíveis
desordens comportamentais e emocionais, há muito têm atraído o interesse e a
curiosidade de pesquisadores e profissionais das áreas que lidam diretamente
com essa temática.
Apesar da
relevância deste tema, a dupla excepcionalidade é ainda uma área de pesquisa em
desenvolvimento e pouco reconhecida. Entretanto, tem se observado um aumento de
casos de dupla excepcionalidade ou de múltiplos diagnósticos na superdotação (Ourofino,
2005).
Vários
estudiosos fazem referência à vulnerabilidade presente no desenvolvimento dos
indivíduos com potencial superior, principalmente nas áreas comportamental,
emocional e de ajustamento social. Neihart (2003), por exemplo, apontou que alunos
com altas habilidades/superdotação não enfrentam mais problemas de ordem
emocional e social que outros grupos de alunos. A diferença se encontra quando
se vêem diante de situações de riscos para seu desenvolvimento sócio-emocional e
suas necessidades não são atendidas adequadamente.
Nesta
perspectiva, a identificação de alunos que apresentam dupla excepcionalidade
também se mostra complexa por não possuir um modelo com critérios
pré-estabelecidos, sendo a utilização de múltiplas intervenções um modelo mais
aceitável, considerando as variáveis envolvidas na condição de dupla
excepcionalidade (Ourofino, 2005).
Na fase de
identificação, os profissionais devem ficar atentos aos aspectos relacionados à
criatividade,
inteligência, autoconceito, desatenção e impulsividade dos alunos, não
confundindo com comportamentos de irresponsabilidade ou de recusa, uma vez que
muitas características de alunos com altas habilidades/superdotação podem ser
erroneamente interpretadas como dificuldades de desenvolvimento. A observação
sistemática de aspectos inusitados de comportamentos e respostas inadequadas,
bem como o processo de reunir informações, permitem que os profissionais tomem
certas decisões quanto ao encaminhamento mais adequado. É indispensável que, ao
se deparar com condições tão diferenciadas em que um indivíduo altamente
inteligente sofra por não atingir expectativas acadêmicas e sociais, se busque
avaliação interdisciplinar contando com ajuda de profissionais, não só da área
psicológica e pedagógica, mas também da área médica.O processo de identificação
da dupla excepcionalidade por não ser bem esclarecido, ainda acarreta
diagnósticos imprecisos e prejuízos para indivíduos que se submetem a estas
avaliações. O reconhecimento de subpopulações especiais entre indivíduos
superdotados tem atraído a atenção dos estudiosos que buscam compreender os
indivíduos superdotados que exibem processos diferenciados e seu desenvolvimento, tais como dificuldades
emocionais e comportamentais, dificuldades de aprendizagem, dislexia, síndrome de
Asperger, entre outras condições incompatíveis com as características de
superdotação. Essas condições, apresentadas a seguir, geralmente se manifestam
pela primeira vez na infância e acompanham o indivíduo por toda a vida.
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO
E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Sabe-se que
as estratégias tradicionais de identificação impedem que as altas habilidades sejam
verificadas em alunos que apresentam baixo rendimento ou fracasso escolar. Inicialmente,
parece uma contradição a coexistência dessas duas dimensões, porém estudos recentes
estão mostrando que existe a possibilidade de alto potencial em alunos com
dificuldade de aprendizagem. A mudança desse paradigma se dá na utilização de
métodos diversificados de identificação dessa provável dupla excepcionalidade.
De fato, o
processo de identificação de alunos com altas habilidades/superdotação com dificuldade
de aprendizagem envolve a obtenção de evidências que apóiem a presença de uma
dificuldade específica por um lado e o alto potencial por outro. Entretanto, o
fato de uma excepcionalidade ser primeiramente diagnosticada, não pode ser
motivo para ignorar comportamentos que sejam indicativos da outra (Baum, Owen
& Dixon, 1991). O processo de identificação tem início quando os pais ou
professores suspeitam que o aluno esteja com dificuldades escolares, já que seu
desempenho acadêmico é baixo e sua motivação é reduzida. Esses alunos podem
encantar com sua fluência verbal, porém sua escrita e ortografia contradizem
essa imagem. Algumas vezes esses alunos, que parecem
saber tudo,
se mostram esquecidos, desorganizados e desinteressados.
Portanto, o
encaminhamento deve ser feito para a equipe interdisciplinar, no qual os
profissionais se utilizam tanto dos testes formais quanto das análises
observacionais para coletar os dados com o intuito de identificar
características desta população específica. A identificação deve ser dinâmica
envolvendo atividades elaboradas para produzir respostas criativas e alertar os
professores para as possíveis áreas de habilidades e interesse do aluno.
É importante
lembrar que os profissionais devem oferecer estratégias de aprendizagem e
técnicas compensatórias para ajudar esses alunos com altas
habilidades/superdotação e dificuldades de aprendizagem a lidarem com a
dualidade de seus comportamentos para o aprendizado. É consenso entre os
pesquisadores da área de que uma das melhores maneiras de intervir junto à
criança superdotada com TDAH é o desenvolvimento de um planejamento
individualizado que acomode tanto o seu potencial superior quanto sua
dificuldade (Moon, 2002; Webb & cols., 2005).
ALTAS
HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO COM A SÍNDROME DE ASPERGER
Muitos
estudiosos apontam que a Síndrome de Asperger é uma categoria relativamente
nova de desordem do desenvolvimento. Embora esse quadro clínico tenha sido
descrito originalmente na década de 1940 por Hans Asperger, a síndrome de
Asperger foi oficialmente reconhecida em 1994 no “Manual de Diagnóstico e
Estatísticas de Desordens Mentais”.
Alunos com a
síndrome de Asperger, em sua maioria, são diagnosticados erroneamente gerando
muitas dúvidas quanto à escolarização mais adequada para essa população.
Crianças com esta síndrome se diferenciam quase que exclusivamente pelos
aspectos cognitivos avançados e a manutenção de dificuldades sociais e de
interação.
Esta síndrome
é caracterizada por dificuldades no relacionamento social e comportamento repetitivo.
Indivíduos com Síndrome de Asperger apresentam inabilidade e falta de interesse
em interagir com seus pares, desatenção com relação a pistas sociais, uso
limitado de gestos, expressão facial limitada, fala em tom monótono e
repetitivo, dificuldade em expressar emoções, dificuldade em entender a
perspectiva do outro em uma conversação, dificuldade em manter contato visual
com o outro e baixa tolerância a mudanças (Alencar & Fleith, 2001).
O aluno com
altas habilidades/superdotação que apresenta esta síndrome expressa ainda
características
como fluência verbal, excelente memória e grande interesse por um tópico em especial.
Neste aspecto, o processo de identificação tem uma significativa importância,
pois por meio dele esses alunos terão a chance de serem encaminhados para um
programa específico. A identificação dessa dupla excepcionalidade está apoiada
em critérios amplos, de preferência realizada por uma equipe interdisciplinar,
instrumentalizada com base em referencias teóricos e resultados de pesquisas na
área.
ALTAS
HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE
(SD/TDAH)
A condição
descrita pelo Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é
neurobiológica e caracterizada por níveis de desenvolvimento inapropriados de
atenção, comportamento hiperativo e impulsividade. As características e
intensidade desses sintomas afetam o desenvolvimento emocional, social e
acadêmico do indivíduo. É uma condição multifacetada resultante não só de um
aparato biológico susceptível, mas também da interação do indivíduo com seu
ambiente (Barkey, 1990; Chae, Kim & Noh, 2003). O grupo de indivíduos com
TDAH é bastante heterogêneo em termos de aprendizagem, comportamento,
relacionamento interpessoal e pode apresentar outras características especiais como
as de superdotação. A literatura tem apontado o TDAH como um dos preceptores de
baixo desempenho acadêmico e produção criativa, dificuldades de aprendizagem,
comportamentos de risco social e dificuldades emocionais, principalmente entre
crianças muito inteligentes.
As
dificuldades relacionadas aos transtornos de atenção não constituem privilégio
de grupos étnicos ou de classes sociais e são motivo de preocupação médica e
social, na extensão em que é difícil reconhecê-las e tratá-las.
Crianças com
SD/TDAH diferem de crianças superdotadas e de crianças hiperativas de vários
modos, principalmente em relação ao impacto de avaliações que afetam o
planejamento de sua vida social e escolar, bem como critérios de tratamento e
intervenção (Baum, Olenchak & Owen, 1998). O critério mais relevante para diagnosticar
SD/TDAH é o grau de deterioração experimentado pela criança nos aspectos
relacionados a superdotação e TDAH. Um aspecto muito importante na
identificação da superdotação é a constatação de habilidades, em uma ou mais
áreas, distintamente acima da média de seus pares. Na identificação do TDAH é
importante determinar se atenção inconstante é um ponto de vulnerabilidade para
a criança e definir se um modelo de apoio para o processo de construção de autoconceito
positivo auxilia no resgate de aspectos positivos dessas condições (Cramond,
1995). Webb e Latimer (1993) relatam que a tendência do indivíduo superdotado
com TDAH é manifestar características relacionadas ao transtorno: baixa
atenção, tédio, dispersão em situações específicas, baixa tolerância para
persistir em tarefas que parecem irrelevantes, dificuldade em manter a atenção
em tarefas de rotina, dificuldade em monitorar seu progresso em projetos a
longo prazo, julgamento aquém do desenvolvimento intelectual, questionamento de
regras e autoridades e alto nível de atividade psicomotora.
Para estes
autores, em algumas circunstâncias, o superdotado com TDAH consegue mascarar
sintomas do transtorno, dificultando a realização de uma avaliação mais
precisa.
Uma visão
mais fundamentada sobre a coexistência de superdotação e do Transtorno do
Déficit de Atenção /Hiperatividade requer a retomada de variáveis diretamente
envolvidas na condição de dupla excepcionalidade (Webb & cols., 2005).
Neste sentido, na avaliação, os profissionais envolvidos devem aprofundar suas investigações
nos aspectos relacionados à criatividade, inteligência, autoconceito,
desatenção, hiperatividade/impulsividade e contar com exames de exclusão
diagnóstica e pareceres neurológicos.
O
conhecimento das características de superdotação e dos critérios de
identificação do superdotado é também essencial neste processo. Para finalizar,
crianças que são privilegiadas em ter uma avaliação física completa e
avaliações psicológicas aprofundadas, que incluam exame do nível intelectual,
do desempenho e aspectos emocionais, têm melhores chances de serem identificadas
com precisão. A avaliação deve ser seguida de adaptações curriculares
apropriadas e utilização de técnicas instrucionais diversas que correspondam ao
conhecimento avançado, estilos de aprendizagem diversos e vários tipos de inteligência.
Consideração cuidadosa e avaliação
profissional
apropriada são necessárias antes de concluir se a criança possui ou não dupla excepcionalidade.