terça-feira, 5 de setembro de 2023

 

João Pessoa, 04 de maio de 2023

Carta a Flávio Sátiro (Sásio)

 

            Flávio querido, estou a escrever estas palavras para você, com muitas saudades. Saudades de nosso convívio diário, de suas palavras fortes, de sua voz única e bela, de seus gestos nobres, de sua calma, tranquilidade, seu humor que muitos nem conheciam, mas que me fazia rir e admirá-lo pela forma inteligente como tudo se desdobrava. Saudades também dos seus momentos de silêncio, de reflexões de vida, de onde, geralmente, saía algo muito bom, rico e construído com muita paixão e sabedoria.          

            O mais impressionante era que, a cada final do dia, você me presenteava com coisas magníficas. Presentes como o coração que, de alegria, batia feliz só de vê-lo, como as histórias bem contadas e todas interessantes, os chamados para comentar suas pesquisas ou escritos, o compartilhar dos programas de TV, de filmes de faroeste ou novelas de época, os passeios no shopping ou as viagens divertidas, que você guardava na mente como se tivesse vivenciado naquele momento. E as risadas, fortes e únicas, cheias de alegria, muitas dessas relembrando as peraltices dos filhos, ou falando pelo telefone com algum deles ou com os netos, trazendo alegrias e coisas novas para nós. Você se diferenciava da maioria das pessoas porque nunca falava de ninguém - se assim tivesse esta vontade, faria com humor para a própria pessoa. Assim como os seus passos, você sempre foi muito leve, deixava só rastros de amor, paz e segurança, e que aqui estão marcados como estrelas reluzentes. O vejo a todo momento, só não consigo vê-lo quando as lágrimas embaçam minha visão. Mas o meu coração, mesmo dolorido, sente o seu abraço, o seu calor, com toda aquela doçura sussurrando “beleza!”

            Tudo mudou repentinamente, e você partiu com a mesma calma que sempre o envolveu. Com o mesmo jeito que chegava de mansinho, às vezes me assustando pela delicadeza do andar, sem barulho, sem arrastar o sapato ou chinelão. Assim você foi, sem dizer adeus, sem dizer que já ia partir para tão longe. Agora o procuro e só acho a linda visão de seus gestos, de sua postura sentado no sofá ou na cadeira do quarto, ou em frente ao computador amigo, instalado no seu refúgio da casa. Refúgio esse que eu sempre respeitei, deixava você à vontade nele, para que aproveitasse dos seus momentos privados, de meditações, reflexões, produções e de orações. Sei que agora está em um Palácio Sagrado, florido, multicolorido, com raios de sol e luar adentrando pelos jardins de rosas cheirosas e botões a abrirem para mostrar a verdadeira vida completa e eterna. Lembro do seu poema “A Vida é um Mistério”, onde você se coloca dizendo:

Dizem que a vida tem muitos mistérios.

Oh!, quanto engano,

O mistério é que tem muitas vidas.

Por mais que eu tente matá-lo decifrando-o,

Ele renasce, qual uma fênix,

Das cinzas de seu próprio corpo.

Por isto eu não mais tento decifrá-lo.

Eu me limito a viver o mistério

            Este mistério eu queria entender, descobrir o segredo da vida e poder agradecer.  Foram 55 anos de muita cumplicidade, de muito canto de amor. Os poucos dias nebulosos que passamos, ou dificuldades, foram superados rapidamente, pelo laço forte de amor que nos unia. As orações continuam para você e para que eu tenha forças, orações vindas de familiares e amigos.

            Partilhamos juntos em espiritualidade a sua missa de 7º dia, na igreja de Nossa Senhora de Fátima, onde foi linda e confortante a homilia de Padre Berg. No hospital, você ainda doente, lembramos também que Padre Berg fez orações e dedicou alguns momentos sagrados, o ungiu, dando graça especial para o enfrentamento de suas dificuldades com a saúde. Assim você passou o período da quaresma, como que se preparando para a Páscoa. Assim foi o seu domingo de Páscoa no hospital, com o corpo debilitado, mas com o coração e pensamento na preparação aos céus, na Ressurreição, como foi o Cristo nosso Salvador. No Reino de Deus, para a Vida Eterna.

            Em Patos, muitas missas foram celebradas em sua intenção. Fomos todos assistir à missa no oitavo dia de sua passagem. A Igreja Nossa Senhora da Guia (Sua Santa Devota), com seus cânticos, nos envolveu pelo divino ali presente. Continuamos as orações na casa que lembra toda a sua família e que você sempre nela marca presença. Nesse momento único, todos de mãos dadas e em círculo, pudemos orar mais um pouco, manifestar nossos sentimentos e em meditação nos aninhar na sua alma, agora grandiosa e iluminada.        

            Cantaremos sempre para o Nosso Senhor, cantaremos eternamente a nossa alegria e o tempo de felicidades que passamos juntos. 

            Em razão do seu passamento, nossos filhos, genro, noras e netos foram de uma delicadeza extrema. Chorando, cercaram-nos de carinho, muito amor e continuam neste mesmo ritmo, com cuidados e de braços abertos a nós.  Digo nós, pela luz que emana de uma outra dimensão, com anjos que tocam e exaltam a sua chegada, uma festa que apreciamos com você.

Falando em filhos vamos relembrar os versos que você tão bem poetizou:

                        A lição dos filhos

            Os filhos ensinam uma coisa,

            Podem até ensinar outras.

            Podem mesmo pensar

            Que ensinam tantas mais.

            Porém, de todas as coisas que

            Os filhos possam ensinar,

             Uma só basta:

            Os filhos ensinam que o tempo passa.

            E o tempo passou. Um dia você, admirador de Manoel Bandeira, musicalizou o seu poema, “Consoada”, uma ode à morte, que passo a descrever a letra neste espaço e que certamente vai ser ouvida por muitos em forma de música cantada, que o maestro João Alberto Gurgel enalteceu em vozes de coralistas. Uma peça!

                                                                                        

Manoel Bandeira

Consoada

                   Música de Flavio Sátiro

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

 

Neste espaço, coloco também a letra da música “Sonho de Amor”, de Frans Liszt, com letra adaptada por Carlos Santorelli. A canção é de um encanto incomparável.

 

Sonho de Amor de Liszt

Carlos Santorelli

Sonhei com você
Um sonho bom sonhei sim
Um sonho de amor
Feliz fiquei ao ver você sorrir
Um sorriso de amor

E assim eu me senti
O mais feliz no amor
Amor, amor
Meu amor

És tudo para mim
Flor do meu jardim
E eu vivo pra lhe amar

Sonhei sim com você
Sonhei, sonhei, sonhei
Mas foi um sonho acordei

            Quando você lançou o seu primeiro livro de poesias “Geografia do Corpo” fez para mim a dedicatória:

Para Eliane ler, riscar e assinalar as suas preferidas.

Flávio.

            Todas as suas poesias têm um significado muito forte, são belas, algumas românticas, filosóficas, outras críticas ou bem-humoradas. Gosto de todas, porém, uma me faz gritar para o mundo todo ouvir, toca com doçura e segurança a minha alma:

Maternidade

A Eliane

Vagidos de silêncio

Enchem teu ventre

Enquanto esperas ansiosa

O instante de lágrimas

Mas transposto o momento de incertezas,

Descansarás, terna e bela, ao meu lado,

Na contemplação de um novo dia que nasce.

            Nossa história de amor fica gravada para sempre na minha mente, retratada em cores e luzes e escrita com a tinta sangue que circula meu coração. Digo também que como sempre preparei com muita antecedência minhas bagagens de viagens, a do nosso reencontro será ainda mais especial, será cheia de muito amor e de laços de carinhos que unem a nossa linda família. Continuaremos as nossas promessas.

Beijos encantados de sua

Lan, Eliane

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